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22/08/2013

Quinta-feira, 22.08.13

Flores amo, não busco. Se aparecem

Me agrado ledo, que há em buscar prazeres

        O desprazer da busca.

A vida seja como o sol, que é dado,

Nem arranquemos flores, que, arrancadas

        Não são nossas, mas mortas.


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:07

21/08/2013

Quarta-feira, 21.08.13

Manhã que raias sem olhar a mim,

Sol que luzes sem querer saber de eu ver-te,

        É para mim que sois

        Reais e verdadeiros;

Porque é na oposição ao que eu desejo

Que sinto real a natureza e a vida.

        No que me nega sinto

        Que existe e eu sou pequeno.

E nesta consciência torno a grande

Como a onda, que as tormentas atiraram

        Ao alto ar, regressa

Pesada a um mar mais fundo.


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:04

20/08/2013

Terça-feira, 20.08.13

Flores que colho, ou deixo,

Vosso destino é o mesmo.

 

Via que sigo, chegas

Não só aonde eu chego.

 

Nada somos que valha

Somo-lo mais que em vão.


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:03

19/08/2013

Segunda-feira, 19.08.13

Eu, eu mesmo...

Eu, cheio de todos os cansaços

Quantos o mundo pode dar.—

Eu...

Afinal tudo, porque tudo é eu,

E até as estrelas, ao que parece,

Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...

Que crianças não sei...

Eu...

Imperfeito? Incógnito? Divino?

Não sei...

Eu...

Tive um passado? Sem dúvida...

Tenho um presente? Sem dúvida...

Terei um futuro? Sem dúvida...

A vida que pare de aqui a pouco...

Mas eu, eu...

Eu sou eu,

Eu fico eu,

Eu...


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:03

18/08/2013

Domingo, 18.08.13

Às vezes medito,

Às vezes medito, e medito mais fundo, e ainda mais fundo

E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à superfície,

E todo o universo é um mar de caras de olhos fechados para mim.

Cada coisa — um candeeiro de esquina, uma pedra, uma árvore,

E um olhar que me fita de um abismo incompreensível,

E desfilam no meu coração os deuses todos, e as ideias dos deuses.

 

Ah, haver coisas!

Ah, haver seres!

Ah, haver maneira de haver seres

De haver haver,

De haver como haver haver,

De haver...

Ah, o existir o fenómeno abstracto — existir,

Haver consciência e realidade,

O que quer que isto seja...

Como posso eu exprimir o horror que tudo isto me causa?

Como posso eu dizer como é isto para se sentir?

Qual é alma de haver ser?

 

Ah, o pavoroso mistério de existir a mais pequena coisa

Porque é o pavoroso mistério de haver qualquer coisa

Porque é o pavoroso mistério de haver...


Alvaro de Campos

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17/08/2013

Sábado, 17.08.13

Ah, que extraordinário,

Nos grandes momentos do sossego da tristeza,

Como quando alguém morre, e estamos em casa dele e todos estão quietos

O rodar de um carro na rua, ou o canto de um galo nos quintais...

Que longe da vida!

É outro mundo.

Viramo-nos para a janela, e o sol brilha lá fora

Vasto sossego plácido da natureza sem interrupções!


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:03

16/08/2013

Sexta-feira, 16.08.13

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

Faltar é positivamente estar no campo!

Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!

Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.

Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,

Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.

Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.

Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.

É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos

onde estaria à mesma hora,

Deliberadamente à mesma hora...

Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.

É tão engraçada esta parte assistente da vida!

Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,

Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.


Alvaro de Campos

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publicado por Rotiv às 00:03

15/08/2013 ( OBRIGADO MÃE)

Quinta-feira, 15.08.13

Nada fica de nada. Nada somos.

Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos

Da irrespirável treva que nos pesa

        Da húmida terra imposta.

Leis feitas, estátuas altas, odes findas -

Tudo tem cova sua. Se nós, carnes

A que um íntimo sol dá sangue, temos

        Poente, porque não elas?

O que fazemos é o que somos. Nada

Nos cria, nos governa e nos acaba.

Somos contos contando contos, cadáveres

        Adiados que procriam.


Ricardo Reis

 

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publicado por Rotiv às 06:25

14/08/2013

Quarta-feira, 14.08.13

 

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra,

Gosto dela porque ela não sente nada,

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

 

Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

 

Alberto Caeiro

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13/08/2013

Terça-feira, 13.08.13

A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.

 

Basta existir para se ser completo.

 

Alberto Caeiro

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publicado por Rotiv às 00:08





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